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Padre Jefferson Luís Santos: “A gente não vem na Amazônia colocar ou ensinar, vem na verdade a aprender”

Por Luis Miguel Modino

Podcast Outro Papo de Igreja, do Serviço Teológico Pastoral

O Padre Jefferson Luís Santos é desde fevereiro desse ano, Inspetor dos Salesianos da Amazônia brasileira, momento em que assumiu seu novo serviço na Inspetoria São Domingos Sávio. Os salesianos sempre tiveram uma profunda união com a Amazônia, onde aos poucos foram surgindo muitas vocações, também no meio dos povos indígenas, de quem a gente deve estar disposto aprender.

Nessa entrevista, o novo Inspetor analisa a realidade da Congregação na região e quais são as prioridades de sua missão evangelizadora na Amazônia. Também expressa sua opinião sobre o Sínodo dos Bispos da Panamazônia, onde pretendem colaborar desde a dimensão da missionariedade, aspecto que ele diz ser inerente ao carisma dos filhos de Dom Bosco.

Nesse sentido, não podemos esquecer que se trata de alguém que nasceu na Amazônia, em Belém, capital do estado de Pará, e que tem desenvolvido seu trabalho pastoral na região, o que faz que suas palavras possam ter maior autoridade na reflexão sobre o processo sinodal.

Para o novo inspetor salesiano se faz necessário conhecer a realidade, a cultura, aprender com o modo de entender e de se relacionar com a natureza, elemento fundamental na vida dos povos indígenas e que vai fazer parte do Sínodo, que já está dando os primeiros passos.

O Senhor é o novo inspetor dos Salesianos da Amazônia. A história da Amazônia está ligada com os salesianos, que têm uma longa caminhada na região, com mais de cem anos de presencia. O que significa a Amazônia para os salesianos? 

Nós, de fato, estamos aqui há mais de cem anos, com presença em toda a região, de modo particular em três estados: Amazonas, Pará e Rondônia, e a preocupação nossa é contribuir com a valorização da cultura. Esse para nós é um ponto e ligação. A relação da congregação com a região passa pela valorização daquilo que é essencial, aquilo que é de fato, importante na vida das pessoas.

Por exemplo, se tratando do Rio Negro (onde os salesianos chegaram em 1915) a vida dos povos indígenas na região, as muitas etnias que temos. Aqui, isto é para nós o ponto principal como congregação, como salesianos.

De fato, cada vez tem mais vocações salesianas, tanto masculinas como femininas, que são indígenas. O que esses salesianos indígenas estão aportando para a Congregação?

O sinal positivo para nós, é de que o trabalho ele tem continuidade. Não foram só os primeiros missionários que vieram aqui, que deram sua colaboração, grande contribuição, a coragem. Quando a gente escuta falar da história dos primeiros salesianos missionários aqui na região, eu fico com o coração muito contente, mas ao mesmo tempo admirado da ousadia deles chegarem aqui, numa região desconhecida.

A presença dos salesianos indígenas, para mim, é uma resposta concreta, positiva, do trabalho que fizeram os salesianos. Por que não foi construir coisas, casas, senão trabalhar a evangelização das pessoas, trabalhar a vida das pessoas. Aí esses jovens da região, entendendo a proposta, também eles passaram a assumir isso na própria vida. Hoje a colaboração deles, sem dúvida nenhuma, é de um valor sem medida. Temos padres indígenas, no campo do estudo, com licencia, mestrado, na educação, no campo da missiologia, próprio do nosso trabalho aqui.

Contribuição maior do que essa, para mim não existe, do que refletir com as culturas indígenas, eles que são indígenas, eles que falam a própria língua. Refletir com uma base teórica sobre a riqueza da própria etnia, da própria região e aquilo que é possível fazer ainda para melhorar mais.

Os salesianos têm representantes no grupo de assessores do Sínodo da Pan-Amazônia e no chamado conselho Pre-sinodal, com o Padre Justino Rezende e Dom José Angel Divasson, bispo emérito de Puerto Ayacucho, Venezuela. O que os salesianos podem apontar dentro da temática do Sínodo que nos faz um chamado a criar novos caminhos para a Igreja?

Nosso Congregação por carisma, por identidade, ela é missionária. Nós como salesianos somos missionários. O que eles levam, o que eles apresentam, o que contribuímos no momento histórico como esse do Sínodo Pan-Amazônico é com o específico da missionariedade. Vivemos isso por carisma, por opção de vida, por vocação. Queremos como Igreja, porque somos Igreja, porque somos filhos dessa Igreja, trazer essa reflexão para a experiência nossa hoje, o que é que significa ser missionário hoje com os jovens.

Para os salesianos que continuamos dizendo que inicia numa atitude também de avaliação da própria vida, da vocação. Porque, para mim, a grande contribuição é, conhecendo a realidade, conhecendo a cultura, conhecendo aquilo que é essencial na vida das pessoas e, dentro do aspecto da missionariedade própria da congregação, penso que aqui seria uma grande contribuição a dar.

Nesse sentido, a gente poderia dizer que a Amazônia é um lugar onde essa dimensão missionária, na medida em que se pratica e se vive, enriquece a vida da Igreja e, no seu caso, da Congregação Salesiana? Aprender com o povo a descobrir as sementes do Verbo presentes nos povos da Amazônia e nos povos da região?

Antes se entendia que a gente vinha para ensinar, para entregar, para oferecer. Hoje a leitura que a Igreja faz, ao menos eu entendo, é vir para aprender, vir para receber, e nada mais concreto do que estar na região Amazônica, uma região rica de povos indígenas. É ver o que é que eles nos oferecem, o que é que eles nos dizem, o que é que eles nos ensinam. Para mim é também um ponto importante para a congregação, para a Igreja.

Estando presente aqui, na região amazônica, a gente agora escuta e vê, não os apelos, como se eles fossem os destinatários, senão aqueles que nos dizem, queremos caminhar por aqui, as nossas necessidades, o nosso caminho é esse. Estando em Maturaca fiz a experiência conversando com o pajé, com os tuxauas, com as lideranças indígenas ianomâmi, foi muito interessante eles falarem do aspecto da espiritualidade deles que traziam para mim. A linguagem, é claro que é outra, mais a riqueza existe lá, existe uma espiritualidade vivida por eles, a gente não vem colocar ou ensinar, vem na verdade a aprender, dividir experiências, enriquecer. 

Outro dos aspectos do Sínodo, junto com criar novos caminhos para a Igreja, é criar caminhos para uma ecologia integral. Nesse sentido, os povos indígenas da Amazônia têm muita coisa a nos ensinar. A gente pode dizer que eles vivem no dia-a-dia, aquilo que o Papa Francisco tentou expressar na Laudato Si. O que é que a gente aprende nessas visitas, nessa presença, no campo da ecologia integral?

A gente fazia também essa experiência sempre que vê que o povo faz essa experiência com aquilo que são conceitos que estabelecemos para nós e que vemos numa outra cultura, numa outra realidade, na grande cidade, por exemplo. O conceito de tempo, de ecologia, de cuidado com a natureza, é outro olhando da vida deles.

Eles, na verdade, vivem a experiência do sentir-se parte da terra, do amor à terra. A experiência do tempo, por exemplo, a gente precisa aguardar, a gente precisa esperar. Eles vivem hoje nessa integração homem e natureza. Isso daí já nos ensina muito nessa realidade nossa de Igreja.

 

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